sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ninguém

Sapato baixo, calça larga e cabelo preso. Esquentou e seus ombros tensos agradecem. Que cara bonita é essa? Já logo no elevador. Ah, devo ter dormido bem. Bom dia, bom dia. Olha, você está muito bonita hoje. Um fala, outro concorda. E pelos corredores, sorrisos dão continuidade aos elogios. O que é? Que segredo ela guarda? Que novidade é essa? Na cozinha perguntam: novo amor? No estacionamento perguntam: voltou com alguém? No restaurante, na hora do almoço: é alguém novo? Cruza com um namorado antigo "nossa, você tá muito... é o quê? Sexo? A noite toda? Conta, vai, eu agüento ouvir". Contar o quê? No espelho, enquanto escova os dentes, fecha os olhos e sabe pra si o segredo: ninguém. Não gostar de ninguém. Nada. Nem um restinho de nada. Nem de tudo que acabou e nem de nada que possa começar. Nada. Pouco importa qualquer outra vida do mundo. Não é nem pouco, é nada mesmo. Um dia inteiro para achar gostosas coisas bobas como um pacote de pipoca doce, um tênis pink ou a hora do banho quente com músicas recém baixadas e o tapetinho vermelho. Um dia inteiro sem escravidão. O celular, o e-mail, o telefone de casa, o ar, o interfone, a rua. São o que são e não carrascos que nada dizem e nada trazem. Um coração calmo, se ocupando de mandar sangue para as horas felizes de trabalho, estudo, yoga, massagem, dormir, bobeiras, pilates, comer, rir, cabelo, filmes, comprar, trabalhar mais, ler, amigos . É isso. Uma agenda enorme que a ocupa de ser ela e não sobra uma linha de dia pra lamentar existências alheias. Linda, ela segue. Linda e feliz como nunca. O segredo do espelho, escovando os dentes, sozinha, aperta os olhos, segura a alma um pouco sem respirar. Segura a pasta pensando que é um pouco de alma consistente na boca. Não cospe, suporte. Ela pode finalmente suportar seu peso e não dividir isso nem com o ventinho que entra pela janela. Nem com o ralo que a espera boquiaberto. A sensação é a da manhã seguinte que o papai Noel deixava os presentes: não é mentira, é só um jeito de contar a verdade com algum encantamento.

Tati Bernardi

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mudanças



Depois de uma vida só de decepções amorosas, é inevitável a mudança. Depois de um grande e terrível amor, é difícil não se tornar tão filha da puta com os outros como ele foi comigo. Enquanto ainda sofremos desconsoladamente por isso, aparece alguém e se torna um grande amor, a diferença é que ele é diferente. Diferente de todos os outros, do que eu me tornei. Mas ainda assim ele se apaixona pelo que restou de mim, mas eu sofri mudanças, as quais o fizeram sofrer. Ele disse que depois de um tempo as pessoas costumam mostrar as caras. Mas essa não é a minha cara nem minha culpa, é culpa do filho da puta que passou por aqui e deixou um estrago no meu coração. O problema é que por dentro eu continuo a mesma, só que melhor em partes, mas os meus atos inconseqüentes e palavras incoerentes, foi o que restou do outro. Peço a todos que me perdoem, mas imploro a mim o meu perdão. Ninguém merece viver em meio aos espinhos do mar de rosas, queremos as pétalas também, a suavidade e o cheiro bom. Eu posso fazê-lo sofrer de vez em quando, mas eu ainda sou aquela garotinha doce e meiga que sempre deu tudo pelo amor, eu sei que o faço feliz com minhas loucuras e delicadeza, como sei que o faço sofrer quando estou em momentos que simplesmente não fazem parte de mim.